Esfinge, a criatura mítica com corpo de leão e cabeça humana, tem a silhueta ou o fundo recortados e preenchidos com múltiplas imagens que espelham a contradição e o desequilíbrio crescente gerado pela humanidade, que se obriga AGORA a olhar para dentro de si mesma e de sua casa última, comum e primeira.
“Decifra-me ou te devoro”, mistério ultimato da esfinge ou; “Conhece-te a ti mesmo”, inscrição no templo de Delfos sobre a qual Sócrates teria inspirado sua filosofia, ou ainda; “Quem sou eu?“, questão essencial de auto investigação proposta por sábios e místicos, convocam-nos, neste momento radical de isolamento social compulsório em todo o mundo, a olharmos verticalmente para dentro de nós mesmos.
Ao longo de nossas vidas, projetamos a necessidade de saber em direção ao externo. A sensação ilusória de que dominamos o mundo à nossa volta manteve-nos confortavelmente ignorantes de quem, ou o que, realmente somos. Assim, construímos o mito de nos considerarmos o “coroamento da criação”, como se toda a evolução biológica que nos precedeu fosse um ensaio da natureza para atingir o ápice da perfeição. Mas, se esquecermos todas as narrativas antropocêntricas e nos vermos como apenas mais um ser vivo disputando espaço no planeta, veremos que a raça humana, assim como é descrita no filme Matrix, pode ser encarada como uma espécie de praga violenta e egoísta, insensível ao resto do mundo e até mesmo ao seu próprio destino, se multiplicando até que todos os recursos naturais de um determinado sítio sejam consumidos, uma espécie de vírus.
Sintomaticamente, notícias recentes nos dão conta de que as principais cidades do mundo tiveram redução de até 60% na poluição do ar depois das restrições da atividade humana para conter a pandemia. Manchetes internacionais anunciam que “Animais selvagens desfrutam da liberdade de um mundo mais silencioso”. Alguns animais estão explorando ruas e cursos d’água vazios e encantando os habitantes humanos ao longo do caminho: golfinhos no rio Bósforo, em Istambul; javalis nas ruas de Haifa, Israel; flamingos cor de rosa aumentaram sua presença em um terço nas lagoas da Albânia; pumas passeiam livres nas ruas de Santiago, Chile; cabras caxemiras em Llandudno, País de Gales, entre outras ocorrências inusitadas ao redor do mundo.
A verdade é que a forma como vivemos, pensamos e ocupamos o território nos tornou vítimas das pandemias. O inimigo somos nós ou o modelo de sociedade de consumo que, se não escolhemos, aceitamos. Nosso mundo e nosso modo de nos relacionar com os demais habitantes do planeta precisa se tornar outro.
“A humanidade
como conhecemos
deve desaparecer.”
(Satyaprem)
“Novos começos
costumam estar disfarçados
de dolorosos finais.”
(Lao Tzu)
Publicação digital, edição do artista,
colagens 315 x 210 mm, 28 páginas, e vídeo 59”, 2020.
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DECIFRA-TE
Bodhan - Marco Avila Ramos
É Arquiteto e Urbanista, graduado pela Universidade Federal de Santa Catarina − UFSC.
Trabalha no Departamento de Desenho Urbano e Espaços Públicos, do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Florianópolis.
Publicou e assinou o projeto gráfico do livro Ao Coração da Coxilha Rica − poesia, em 2006, edição independente.
Em 2014, publicou e assinou o projeto gráfico do livro Sermos − poesia, contemplado com o Prêmio Elisabete Anderle de Estímulo à Cultura, da Fundação Catarinense de Cultura – FCC, editado pela Bernúncia Editora.
Participou em 2019 da exposição coletiva “Toda paixão beira o caos, a do colecionador beira o caos da memória" no Memorial Meyer Filho.